sexta-feira, 29 de maio de 2009

da partilha



Gostei da forma desassombrada como Miguel Lobo Antunes (responsável pela programação da Culturgest) afirmou que “os criadores criam porque não conseguem viver sem isso e as pessoas assistem porque lhes faz bem participar no que os outros são capazes de fazer”*
Participar no acto criativo não só faz bem como dá um prazer muito especial que parece aumentar exponencialmente com o nível de cumplicidade que estabelecemos com esse mesmo acto.
Ler um livro, assistir a um filme, ver uma exposição é muito bom. Mas ver desenhar é ainda melhor do que ver o desenho feito, ouvir a música ao vivo é ainda mais saboroso que ouvi-la no CD e quando alguém nos conta uma história à medida que esta vai nascendo na sua cabeça ou partilha uma ideia recém-nascida, o prazer é transbordante e viciante. Deve ser também por isso que mesmo os coleccionadores que não se importam de pagar as comissões das galerias adoram visitar os ateliers dos artistas. Para participar um pouco mais.
A noite passada, por ocasião do lançamento da revista bypass tive a oportunidade de conhecer uma obra de uma generosidade prodigiosa: “Eurolines Catering or Homesick Cuisine", de Pavel Braila.
No vídeo projectado nas paredes da Appleton Square, assistimos a um telefonema do artista de origem Moldava para a mãe. Pavel pede ajuda para dar um jantar para 50 pessoas. “50 pessoas é muita gente, não é fácil...”, começa a mãe por dizer, mas logo se entusiasma com a proposta da ementa, composta por pratos tradicionalmente moldavos. O artista pede por fim que a mãe lhe faça chegar o banquete até Berlim (onde ele vive) por autocarro.
A segunda parte do filme documenta a alegre preparação do jantar na intimidade da cozinha rural da família de Pavel: a mãe colhendo as parras onde enrolará a carne e o arroz para o sarmale, o pai provando das pipas o vinho e brindando aos artistas de Berlim e de todo o mundo, a tia batendo o pé ao som da musica dos Balcãs enquanto estende a massa. Quando o petisco fica pronto seguimos o seu percurso de autocarro até Berlim, acondicionado nos sacos aos quadrados que nos habituámos a ver nas mãos dos emigrantes.
É então que Pavel entra na sala onde nos encontramos com esses mesmos sacos de onde tira o enorme tacho do sarmale, as panquecas e o vinho caseiro cujo aroma frutado das uvas morangueiras tivemos afinal oportunidade de conhecer, já que a partilha saiu do vídeo para prosseguir com novos sentidos entre todos os presentes.

Adorei! :)

*Lobo Antunes, M. (Novembro de 2008). entrevistado por Inês de Medeiros. Relance , pp. 44-55.

1 comentário:

  1. Só hoje, passado quase dois anos é que vi este post.
    Escusado será dizer que me fez reviver o momento, em que se juntou um grupo de artistas e autores que nos são muito queridos. Costuma-se dizer que o primeiro amor é o mais forte... assim foi o primeiro número da BYPASS, os seus autores e a sua primeira exposição.
    O Pavel é, como tu dizes, de uma generosidade imensa e um grande artista também.
    Ler e ver aqui o registo dessa noite é comovente.

    Obrigada Ana! Por tudo...!

    Gaëlle, Álvaro
    BYPASS

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