(Deixada pelo Sr. do Sax na minha caixa de comentários)
"O Alexandre O'Neill apaixonou-se um dia pela francesa Nora Mitrani, ela parte para Paris e ele não suportando a distância decide partir para o lado de lá da ausência, mas é barrado no aeroporto, seu pai, muito influente no país pré-74 solicitou às altas instâncias que este não pudesse abandonar o país...e ele, destroçado escreveu este triste lancinante e belo "Adeus Português":
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti
Alexandre O'Neill
PS - desculpa ser tão longo, a culpa é do O'neill que não sabe escrever menos..."
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... que acabou por se tornar o seu poema mais célebre. Coisas...
ResponderEliminarHá uma biografia do O'Neil muito muito interessante, é da Maria Antónia Oliveira e foi editada em 2007 pela Dom Quixote em que se dá conta da vida atribulada do poeta e, naturalmente, desse episódio.
Li-a há pouco tempo, por isso recordo-me bem disso. Embora não haja provas materiais, aparentemente a teria sido a mãe a dirigir uma carta ao Ministro do Interior, apelando ao zelo pela moral e pelos bons costumes que o filho perigaria caso lhe fosse permitido viajar. Isto veio tornar ainda mais difícil a relação de O'Neill com os pais. Não obstante, mais tarde, a mesma senhora enviaria nova missiva, novamente apelando aos valores tradicionais da família, o que pôs termo ao cárcere a que a PIDE o teria vetado.
Outro amor, o de mãe, em tempos outros. Enfim. ;)
Jinhos.
P.S. Agora estou a ler as Histórias de Amor do Walzer da Relógio de Água, um livro extraordinário sobre o Amor e a vida em caleidoscópio.
Walzer! :)
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