quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Dostoiévski e Kurosawa por Gilles Deleuze

"Eu sugiro uma resposta que creio tocar um pouco à filosofia. Nos personagens de Dostoiévski, produz-se muitas vezes algo bastante curioso, que pode dizer respeito a um pequeno detalhe. Geralmente, eles são muito agitados. Um personagem sai de casa, desce até a rua e diz: “Tânia, a mulher que amo, me pede ajuda. Vou correndo, ela morrerá se eu não for”. Ele desce a escada e encontra um amigo, ou vê um cão atropelado, e esquece, esquece completamente que Tânia o espera, à beira da morte. Ele se põe a falar, cruza com outro camarada, vai até sua casa tomar chá e, de súbito, diz novamente: “Tânia me espera, é preciso que eu vá”.O que significa tudo isso? Em Dostoiévski, os personagens são perpetuamente vítimas da urgência e, ao mesmo tempo em que eles são vítimas dessas urgências, que são questões de vida ou morte, eles sabem que há uma questão ainda mais urgente, embora não saibam qual. E é isso que os paralisa. Tudo se passa como se, na maior urgência – “É um incêndio, é preciso que eu vá” –, eles se dissessem: “Não, existe algo ainda mais urgente. Não moverei um dedo até saber do que se trata”. É O idiota [romance de Dostoiévski filmado por Kurosawa]. É a fórmula de O idiota: “Veja, há um problema mais profundo. Qual problema, não saberia dizer ao certo. Mas me deixe. Tudo pode arder... É preciso encontrar esse problema mais urgente”.Isso Kurosawa não aprendeu de Dostoiévski. Todos os personagens de Kurosawa são assim. Eis um belo encontro. Se Kurosawa pode adaptar Dostoiévski, é pelo menos porque pode dizer: “Temos um assunto em comum, um problema em comum”. Os personagens de Kurosawa metem-se em situações impossíveis, mas atenção: há um problema mais urgente."
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