segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Anão (Pär Lagerkvist)



O Anão é um livro sobre o Bem e o Mal. Talvez por isso Pär Lagerkvist tenha situado a acção num principado que tal como a natureza humana está algures entre as trevas medievais e  a luminosa consciência renascentista.
O Anão da corte, pela proximidade ao Principe, tem uma perspectiva privilegiada sobre tudo o que o cerca, mas é um ser marginal, habituado a olhar de fora o mundo dos homens. Apesar da distância crítica, o  olhar que lança sobre o amor, a arte, a guerra, a doença, a morte, não é recém-nascido, tem o peso do negrume da sua alma. É um cronista pérfido e mordaz que se auto identifica com "uma serpente venenosa, o génio mau de Monsenhor o Príncipe" (p. 184). Reina em todo o texto o sentido mais obscuro do mundo. O lado mais luminoso do ser humano só chega ao leitor envolto em sarcasmo.
Este Anão nada compreende que vá para além da maldade e da hipocrisia e é tanto mais cruel nas suas descrições quanto mais puros e bondosos são aqueles sobre quem escreve. Desconfia de tudo o que é diferente de si. Trata com dureza a jovem e pura Angélica, exalta com admiração o assassino Bocarrossa.
Algures num ponto intermédio, num estádio incompreensivel para o Anão, está Mestre  Bernardo (que é um retrato inequívoco de Leonardo da Vinci), o homem que se pensa e se põe em causa, que busca o conhecimento do mundo, ciente de que esse conhecimento é também fonte de sofrimento:

Mestre Bernardo sabe que uma natureza múltipla reina sobre tudo, vê que nada pode ser só bem ou mal. Só ele, diante do retrato que sente falhado parece perceber que a Princesa não é apenas a mulher lasciva de meia idade que o anão critica e, afinal, à sua maneira ama. Ele intui nela a santidade que se revelará num segundo retrato. Unindo os dois retratos, um sorriso de Gioconda, a natureza complexa, inabarcável do ser humano:



No fim o conhecimento vingará, mas já não a tempo de evitar morte e sofrimento gerais. O falcoeiro tira o capuz ao falcão e o Príncipe percebe que o seu lado maligno tem andado à solta.
Mas quanto tempo dura a consciência dos homens? Pär Lagerkvist publicou este livro durante a 2ª Guerra Mundial e naturalmente a sua esperança na humanidade não abundava. 
A consciência do mal permite afastá-lo mas ele regressará mais tarde ou mais cedo. O homem não pode passar muito tempo arredado do seu lado negro:

3 comentários:

  1. * SPOILER ALERT*
    Não leiam o post! A anita conta o fim da história!

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  2. :D
    tens razão, Marta...
    mas esta história vale pelo caminho, não é daqueles livros em que nos questionamos sobre como acabará, por isso achei que não seria grave. (e há tanta, tanta coisa que não conto!)

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  3. "Trevas medievais", quando li tal besteira já desisti do restante. A imbecilidade humana em aceitar as mentiras me enoja.

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